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Textos / Maria Hirszman, 2002

O mergulho sensorial de Niura Bellavinha

'Pintura Seca' dialoga com o barroco e com a mais recente produção contemporânea

Niura Bellavinha, que expõe na Galeria Nara Roesler: ar colorido.

A exposição Pintura Seca, que Niura Bellavinha mostra na Galeria Nara Roesler, integra-se à história artística brasileira, propondo por meio de poucos elementos uma imersão sensorial e um diálogo visual com uma das tradições culturais mais sólidas do País: a arte barroca. Esses trabalhos nasceram da pesquisa feita pela artista mineira com pigmentos vindos da China, numa tentativa de investigar a relação Oriente/Ocidente criada graças aos religiosos católicos que estabeleceram a ponte entre duas colônias de Portugal: Brasil e Macau. Essa relação está testemunhada em várias obras presentes nas cidades históricas mineiras, como nas portas da Igreja de Nossa Senhora do Ó, uma igrejinha de Sabará, cidade natal de Niura.

 

O desejo de lidar com esse repertório barroco é algo que circunda há muito a obra de Niura. Ela chega a afirmar que isso sempre esteve presente em seu trabalho, só que ela não conseguia ver. "Tinha isso, falava disso, mas não tinha consciência", explica. O visitante não deve esperar, no entanto, uma mera recuperação do repertório da escola colonial, de sua estrutura formal ou de seus elementos básicos. "Não queria uma paráfrase, queria mesmo promover um mergulho no barroco", explica a artista.

 

Ao entrar no ambiente em tons de vermelho, rosa e laranja, construído a partir da composição dos sacos que transportaram pigmentos da China para o Brasil (que a artista inicialmente dispôs ao acaso nas paredes de seu ateliê, até perceber que tinha ali uma composição interessante a ser investigada) ela não está fazendo uma citação do passado, mas construíndo um espaço que dialoga com várias gerações de artistas contemporâneos brasileiros que exploraram essa relação entre espaço e cor, como Lygia Clark, Hélio Oiticica, Cildo Meireles e Fernando Bento.

 

A apropriação quase casual das embalagens plásticas, usada para forrar as paredes ou como matéria-prima para a confecção de "pinturas" que a artista chama de mantas também tem relação com a revalorização de material tão pouco nobre por meio de uma fatura cuidadosa, como aquela feita por Jarbas Lopes.

O chão também é de plástico e também é colorido, num tom de laranja forte que lembra o urucum.

 

Feminino - Uma terceira chave de leitura da obra de Niura, que não se contenta em seguir apenas uma pista e prefere agregar uma série de investigações num mesmo trabalho, é a questão do feminino. A potência da cor vermelha, reforçada pela imagem dos saquinhos como que prenhes de pigmento e que lembram também sacos de tempero, assim como a relação entre os sacos na parede e as colchas de retalho, levam ao paroxismo a idéia de feminino.

 

Aliás, como boa tributária do Barroco, Niura não teme o excesso. Tudo vibra em sua instalação e após alguns minutos dentro dela parece que nossos sentidos estão sendo alterados. O uso do vermelho é um dos grandes responsáveis por essa sensação de pulsação, já que a onda de transmissão dessa cor é bastante acelerada, bastante superior a do azul, por exemplo, costumeiramente associado à tranqüilidade e até à depressão. "À noite temos a impressão de que até o ar é colorido", explica Niura.

 

A questão do ritmo e do tempo levam a artista a afirmar que na verdade sua obra é ritmo e pulsação cromática. Portanto, é música. Mas na hora de definir o trabalho a partir de um dos sentidos não é nem a visão nem a audição que se sobressaem. "Trata-se de uma pintura para comer", diz ela, ressaltando a importância dos mercados de especiarias que encontrou no Rio, cidade onde mora há cinco anos, para a realização de Pintura Seca.

 

As questões biográficas e incidentais tem uma importância grande na obra de Niura. Os trabalhos vão nascendo uns dos outros e agregando sempre novos elementos. A exposição em cartaz neste momento, por exemplo, nem existia há um mês atrás. Depois de participar de um evento relâmpago com uma instalação similar durante o período da Bienal de São Paulo, Niura obteve uma grande repercussão de público e decidiu aceitar o desafio, transformando mais uma vez o espaço em pintura, a cor em vibração.

 

 

Maria Hirszman

2002

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